Aborto no Brasil

Por Patrícia Gomes,

“Eu estava sozinha em casa e comecei a sentir muita dor, sangrei muito e por um momento eu achei que ia morrer”

Alessandra Silva tinha 23 anos quando engravidou do 2º filho, tinha acabado de arrumar um novo emprego, após 2 anos de procura. Segundo ela o desespero a fez tomar medidas perigosas. Não tinha condições de ter outro filho e então decidiu fazer um aborto, mas não imaginava os riscos que corria.

A Pesquisa Nacional do Aborto realizada em 2016 pelo Instituto de Bioética e Universidade de Brasília, aponta que mais de meio milhão de mulheres abortou no Brasil. Isso significa que a cada minuto uma mulher faz um aborto. Os dados mostram ainda que 250 mil internações decorrentes de complicações pós-aborto acontecem anualmente e ainda que 20% das brasileiras entre 18 a 39 anos já abortaram ao menos uma vez, dessas em média 70% já tem filhos.

O medicamento é o método mais utilizado, porém procedimentos que utilizam de outros meios também são realizados. Alessandra afirma que conheceu a pessoa que fez seu aborto através de uma amiga, que a levou até o local e acompanhou todo o procedimento. “Eu fui na casa da pessoa e ela introduziu um cano na minha vagina e após 5 dias eu comecei a abortar. Paguei na época R$ 500,00 pelo procedimento”.

Os riscos de um aborto clandestino são grandes: 30% dos abortos ilegais causam infecção no sistema reprodutivo, 1 a cada 4 mulheres tem sequelas e 1 mulher a cada 9 minutos morre em decorrências de abortos clandestinos. Segundo a ginecologista Maria Letícia Fagundes entre os riscos de um aborto clandestino estão a perda da condição reprodutiva, infecção no útero que pode acarretar a uma cirurgia de emergência, morte da mulher, além dos danos psicológicos. “Ninguém faz aborto porque adora ou como método contraceptivo, isso é uma escolha estrema da mulher”.

Alessandra Silva*, conta que realizou o procedimento no 2º mês de gestação, sem o conhecimento de ninguém da família. Quando começou a sentir as dores imaginava que iria conseguir fazer o aborto ainda sem alertar os mais próximos, porém após 2 dias sentindo dores fortes, ela teve uma hemorragia e a sua única opção foi procurar uma Unidade de Saúde. “Cheguei no 24 horas sangrando muito, tomei muitos remédios e passei a noite em observação, fui liberada depois que o feto já havia sido retirado. Tive medo de morrer sem que minha família soubesse o que aconteceu”.

A jovem tomou medicamentos por vários dias, devido a uma infecção que adquiriu e, precisou fazer muitos exames que diagnosticaram que, inicialmente, ela não poderia mais ter filhos devido o procedimento que escolheu para interromper a gravidez. “Eu pensei em ter mais filhos quando tivessem uma condição melhor, mais hoje tenho medo, não de não conseguir engravidar, mas do meu filho ter problemas”. No Brasil cerca de R$ 142 milhões é gasto anualmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em procedimentos pós-aborto.

“A mulher que prática o aborto não é o que a maioria imagina: adolescentes, de classe baixa e sem crenças”

A Legalização

Os dados levantados na pesquisa apontam que 67% das mulheres que cometem aborto têm filhos e 88% seguem uma religião, as porcentagens de aborto não sofrem variações de acordo com a classe social. Ou seja, a mulher que pratica o aborto não é a que a maioria imagina, adolescente, de classe baixa e sem crenças. De dezembro de 2015 a novembro de 2016, considerado o Ano Santo da Igreja Católica, o Papa Francisco permitiu que os padres perdoassem formalmente mulheres que cometeram aborto e buscarem o perdão, por outro lado a igreja condena o ato. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é um dos órgãos da igreja mais envolvido com o movimento pró-vida no Brasil, que luta contra qualquer modificação na legislação que possa aumentar os casos de interrupção da gravidez. Em nota oficial “Pela vida, contra o aborto” divulgada no dia 16 de abril deste ano os bispos condenaram qualquer inciativa de legalização do aborto. “Neste tempo de grave crise política e econômica, a CNBB tem se empenhado na defesa dos mais vulneráveis da sociedade, particularmente dos empobrecidos. A vida do nascituro está entre as mais indefesas e necessitadas de proteção”.

A Lei nº 2.848 de dezembro de 1940 diz que não se pune o aborto praticado por medico, porém somente em três situações: Se não há outro meio de salvar a vida da gestante; se a gravidez é resultado de um estupro; se o feto for anencefálico (não possuir cérebro), neste caso é declarado como parto antecipado com fins terapêuticos. Em outros casos o aborto indutivo é crime e pode acarretar de 1 a 4 anos de prisão.

No último ano, a discussão sobre o procedimento tem aumentado e duas ações estão aguardando julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF): A Ação Inconstitucionalidade nº 5.581, apresentada pela Associação Nacional de Defensores Públicos (ANADEP), que trata dos limites das ações do Estado Brasileiro em resposta à epidemia do vírus zika. Entre as solicitações, a de que grávidas infectadas pelo zika e com sofrimento mental, tenham o direito de interrupção da gravidez como forma de proteção à saúde.

A segunda medida a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF Nº 442, apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), solicita que a Suprema Corte descriminalize o aborto para as mulheres que fizerem o procedimento até a 12ª semana de gestação, pois a atual legislação viola princípios de dignidade, cidadania e da não discriminação, bem como os direitos fundamentais a inviolabilidade da vida, à liberdade, à igualdade, à proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, à saúde e ao planejamento familiar.

Por outro lado, no dia 16 de maio deste ano, o senador Eduardo Amorim (PSDB/SE) apresentou seu parecer favorável ao avanço da Proposta de Emenda Constitucional 29/2015 que altera a Constituição Federal para acrescentar no art.5º, a explicação e explicitação que o direito à vida é inviolável desde a concepção. Segundo a emenda a omissão do termo desde a concepção, …vem permitindo grave atendado à dignidade da pessoa humana que se vê privada de proteção jurídica na fase da gestação… tendo o poder de garantir o direito à vida de milhares de crianças brasileiras que são assassinadas por falta de proteção jurídica. No site https://www12.senado.leg.br e possível opinar sobre a Proposta enquanto a mesma tramita no Senado.

Segundo o advogado Adyr Tacla Filho está medida não altera os casos de aborto considerados legais, pois isso iria contra o direito da mulher também previsto na constituição “No caso do projeto no Congresso Nacional está sendo discutindo se existe vida a partir da concepção, porém, se está vida irá de alguma forma causar prejuízos de ordem física, moral ou psicológica a mãe, o aborto chamado terapêutico ou humanizado não deixará de ser legal”, afirma o advogado.

A ginecologista Maria Letícia Fagundes acredita que o aborto deve ser legalizado, pois caso contrário o país continuará apresentando números elevados em relação a mulheres que são submetidas ao procedimento clandestinamente. A médica contrapõe que não é a favor do aborto regularmente como método contraceptivo, mas regularizar e normatizar. “Não podemos colocar embaixo do tapete, esconder uma realidade que o Brasil tem de mulheres vítimas de complicações desse procedimento clandestino” afirma Fagundes.

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